terça-feira, 2 de agosto de 2011

Bonum Faciendum



Introdução

Há muitas pessoas que clamam por justiça ao depararem-se com situações que consideram injustas e desonestas. Mas não sendo especialistas em direito, como podem clamar por justiça?

Ainda quando as pessoas afirmam ter um direito que não está previsto pela lei positiva -"Afina, eu tenho o direito de ser feliz"- parece haver algo superior à lei dos homens, que é intuitivamente conhecido por eles e que rege os princípios do Direito Positivo. A esse "algo superior" chamamos Direito Natural.

A noção de Direito Natural já tinha sido pensada por Sófocles na sua obra dramatúrica Antígona. Na obra, o rei Creonte havia proibido o sepultamento do irmão morto Polínice, ao que Antígona desobedece sob a alegação de que acima da ordem positiva do rei, haviam outras leis não escritas a serem cumpridas.



1- Essência e natureza

Há coisas que existem e coisas que não existem. As coisas que não existem não podem serdefinidas, uma vez que não possuem características individuais e reais. Já nas coisas quem existem podemos citar um conjunto de seres que a definem - por mais extenso que possa ser tal citação- já que a quantidade de seres é finita. Ao conjunto abstrato de seres que compreende um ser podemos chamar de essência. Ex.: Homem é animal, é racional, é mamífero. Os três seres que citei fazem parte da compreensão de homem. Portanto a essência diz o que é uma realidade. o conjunto de seres que o homem é, é a sua própria essência. Mas note que não é um simples conjunto de seres individuais. O homem enquanto homem é uma coisa só, portanto sua essência traduz uma espécie de pluralidade unitária, pois o homem tem uma só essência. à grosso modo é como uma receita caseira que é feita de muitos ingredientes, mas não podemos dizer que o produto da receita é o ingrediente. O produto é uma coisa só, um bolo, um cozido, um sorvete.



Apesar de podermos separar os seres de um determinado ser através da faculdade de abstração que a inteligência possui, é como se pudéssemos pegar todos os ingredientes e batêssemos num liquidificador e o resultado, uma massa grossa e homogênea, tivesse um sabor só, uma essência só que é o resultado dos múltiplos seres que essa coisa é.

Essência é o que uma coisa é. Forma é o que define uma coisa. Fiquemos atentos à essa distinção para não confundir forma com essência.

E o que é natureza, afinal? Natureza e essência são a mesma coisa, porém usamos a palavra natureza quando queremos enfatizar um aspecto mais mutante do ser. Quando falamos da natureza do homem, falamos da essência dele sob uma ótica de algo que pode vir-a-ser, pode mudar. A palavra natureza vem do latim nasci e por isso mesmo é utilizada nesse contexto tentando passar a idéia de algo que nasce, que vem a ser.

Quando falamos da natureza de um ser, estamos inclinados a falar da suas definições e propriedades. Assim o fato do homem ser mamífero é da natureza do homem. Um homem que não seja mamífero não está segundo sua natureza e provavelmente esse ser não-mamífero, deve ser outro que não homem. Assim podemos inclusive dizer que algo está agindo contra sua própria natureza, quando por exemplo vemos um homem tentando rastejar como uma cobra ou tentando ser qualquer coisa que ele não seja e não possa ser pela sua própria essência.



2- Inclinações, vontade e tendências

2.1 Inclinações e Tendências

Se dizemos que um homem que tenta se alimentar de pedras está agindo contra a natureza, imaginamos que exista um limite na quantidade de coisas que ele pode comer. Essas coisas são as tendências do homem. Um homem tende a se alimentar de carboidratos mais simples. Carboidratos complexos como a celulose não são digeridos pelo homem e logo se houver algum que se alimente realmente de celulose, está agindo contra sua tendência NATURAL de se alimentar de outros carboidratos mais simples. Claro que no caso do homem existem muitas outras tendências além das tendências alimentares. São elas as tendências afetivas, tendências intelectuais, tendências mecânicas etc. Tendência e inclinação são a mesma coisa.



2.2 Liberdade e Vontade

Alguns filósofos consideram a Liberdade absoluta como bem supremo. Daí aqueles pintores que pintam o que vier à cabeça. Daí as pessoas que fazem o que vier à cabeça. Esses homens acreditam que estão em direção ao bem maior que seria a liberdade, mas como dizia um meu professor de educação física, "Não confunda libertinagem com liberdade!". Há certas coisas nas tendência humanas das quais o homem não pode se abster. A felicidade é uma delas. Todo homem deseja a felicidade e isso é a própria tendência do homem. Não há como ele abrir mão do desejo felicidade. Usando as palavras da cantora Cláudia Leite: "Eu quero ser feliz antes de mais nada.", podemos notar a necessidade natural, a tendência, a essência do homem em buscar a felicidade. Aquele homem que não busca a felicidade está agindo contra sua própria natureza.

Da mesma maneira como não posso escolher se alimentar de celulose, não posso escolher não ser feliz, não há liberdade nesse quesito. Porém posso escolher dentro dos meus limites, qual carboidrato comer, posso escolher entre esse e aquele livro, entre fazer Biologio ou Análise de SIstemas e há uma certa liberdade dentro dessa restrita tendência de ser feliz. Porém não há, nesse mundo, uma fonte de felicidade absoluta. Comer todas as comidas, sentir todos os prazeres, adquirir todo o conhecimento, nada disso nos fára perfeitamente felizes, seremos sempre incompletos, como observavam Freud e Tomás de Aquino, já que a própria liberdade de escolha é imperfeita. Quando escolho aquela mulher para casamento, estou escolhendo algo que suponho fazer-me feliz, mas como na verdade não possuo liberdade para escolher entre ser feliz e não ser, a própria escolha é uma espécie de escolha forçada, tendenciosa. A palavra tendenciosa descrever perfeitamente a situação, pois deriva da palavra tendência e é disso mesmo que falamos nesse texto.

Então vemos que existe uma definição mais precisa de liberdade do que a simples definição de poder fazer o que quiser. Quando um cavalo está em um cercado, ele tem sua liberdade tolhida, limitada. Num estábulo mais ainda. Suponhamos agora que libertamos o cavalo e ele vai correndo e atravessa todo continente usufruindo da sua liberdade. Então ele chega em campos e morto de sede vai até o rio paraíba beber água. Nota o fluxo do rio e continua, na sua liberdade, correndo em direção a foz. Como se nunca pudesse parar, o cavalo encontra o mar e vai nadando em direção ao horizonte. Este cavalo está livre. Dentro das tendências dele (nadar, correr) ele pode usufruir das suas potências. Assim liberdade é quando podemos usufruir do que temos - intelectualmente, materialmente, afetivamente etc.



3- Direito e Justiça

Nessa nossa liberdade de agir, de pensar , de viver , vemos o próprio conceito de justiça e direito. Minha tendencia é pensar, logo tenho tenho o direito de pensar e logo é justo que permitam meu pensamento. Direito é exatamente isso: a liberdade de possuir o que já se tem. Tenho inteligência, logo posso usá-la. Tenho terras, logo posso usar. Tenho pernas, logo posso andar. Quem tolhir esses meus bens está sendo injusto. Assim vemos que imediatamente após a idéia de direito vem a idéia de justo. A medida que me é tolhido algum direito é tolhida alguma proporção, alguma medida. Se tenho 30 Hc de terra posso usar os 30 Hc. À medida que não uso a terra, estou não estou exercendo meu direito de usar e a medida que uso mais terra do que tenho, estou ultrapassando meu direito de usar. Assim a justiça é uma espécie de meio termo, uma espécie de igualdade que age em prol dos outros, daí o princípio de isonomia no Direito (a lei é igual para todos). Aristóteles ainda define dois tipos de justiça, uma justiça moral e uma justiça positiva

a) Justiça moral: aquela virtude que vem a regular as outras virtudes, dando-lhes correta proporção e equilíbrio. Há em aristóteles um conceito de vícios opostos aonde o afastamento de um vai ser a aproximação de outra. A medida que você encontra o meio, a posição aonde a distância de dois vícios opostos é igual, encontra-se uma virtude, encontra-se a justa posição entre um e outro vício. Para dar essa justa posição somente a virtude da justiça.

b)Justiça positiva: da mesma forma, nas leis, aquela que encontra a justa posição de um bem aonde dar o que é de direito a cada um, constitui a própria justiça.

Se o direito é a liberdade de agir de acordo com a tendência de um ser, a justiça é o fato de dar essa liberdade a esse ser.



4- O bem

4.1-Bondade

A bondade é a capacidade de satisfazer uma tendência natural do ser. Assim se aquelas tendências citadas no início podem ser satisfeitas, o objeto da satisfação é um bem. Ex.: A comida que mata a fome é um bem. No entando o bem não prevê somente os seres conscientes. O bem é uma necessidade de todo ser, inclusive a pedra. Isso se dá pois todo ser, exceto Deus, é imperfeito. Nas suas imperfeições, cada ser tende naturalmente para a perfeição e aí que o bem se torna uma necessidade, uma tendência geral do ser, de todo ser.

Como fica claro, todo ser tem sua tendência satisfeita por outro ser, daí o ser e bem serem conversíveis. Todo bem é ser e todo ser é bem.



4.1.1-Bondade Formal e Bondade Ativa

Apetecer um apetite de um ser pode ser feito de duas maneiras: em relação a um outro ser ou em relação a si mesmo. Quando apetecemos a tendência de outro ser, nos configuramos como um bem ativo, algo mais perfeito que o outro ser e que aplaca sua necessidade. Nisso que temo algum grau de perfeição e que podemos satisfazer a necessidade de outro ser, somos também nosso próprio bem, porque somos algo e sendo algo somos bem como se tivéssemos algumas necessidades satisfeitas por nós mesmos antes delas se manifestarem. A isso dá-se o nome de Bondade Formal



4.2-O mal

Se todo bem é um ser, o mal só pode ser a ausência de algum ser, de algum bem. Por causa disso, o mal não tem essência e nem entidade exatamente ao contrário do que pregam algumas crenças gnósticas. O mal é o não-ser. Isso fica devidamente claro quando consideramos a perda de um parente, a perda de algum bem como um mal. Contudo as flexões idiomáticas causam certa confusão: Perdi a fome. Essa frase se tomada ao pé da letra, pode ser interpretada como um ser que perdeu um bem. Mas sabemos de antemão que a fome não é um bem, é exatamente o inverso. Portanto a frase ficaria metafisicamente correta assim: Tive minha fome apetecida. Tive uma necessidade satisfeita.



5-Direito Natural

5.1-Princípios do Direito Natural

Temos nossa necessidades apetecidas por um bem e já que o mal consiste exatamente na privação desse bem , parece que todo ser possui uma tendência natural para rejeitar o mal, rejeitar o não-ser. Além disso, uma vez que todo ser é a satisfação de alguma necessidade alheia, tem-se que o bem é algo a que tudo tende, é uma lei tender ao bem e uma lei a que nada escapa. Automaticamente observa-se que a posse de um bem que um ser já tem é um direito, se enquadrando na definição de direito acima, e, por ser pertecente a todo ser e uma tendência de todo ser, é mesmo um direito natural. A justiça vai consistir em permitir a esse ser liberdade com aquilo que já possui(dar a cada um o que é seu). Essa consistência do Direito Natural nos obriga a 4 coisas:

a)Bonum Faciendum - O bem deve ser feito;

b)Neminem Laedere - Não lesar a ninguém;

c)Suum Cuique Tribuere - dar a cada um o que é seu;

d)Honeste Vivere - viver honestamente.

Em síntese deve-se fazer aos outros apenas o que se faria a si e não fazer-lhes o mal.








5.2-Da Lei




Em vista a noção geral de bem e a necessidade geral do bem e de justiça, é possível que alguém competente dê razão aos direitos dos seres em geral e essa razão promulgada é a própria lei. Aquele ser que promulga a lei está a par daquelas razões gerais que movem em seres. Assim, Tomás de Aquino determina a lei como uma regra e medida dos atos de um ser, por isso mesmo as próprias inclinações do seres são leis, as próprias tendências e propriedades do seres são leis. É próprio da lei ordernar e toda ordem exige um ordenador e esse ordenador pode ser Deus ou o homem. Quando Deus cria o universo e estabelece as leis que o regem(como as próprias leis da física), quando Ele cria a lei natural ele é um legislador. Fica claro que a lei natural não é criada pelo homem, ela é conhecida através da razão humana, mas não é criada, visto que o homem não pode reger, dar leis e ordenar o ser. Tomás de Aquino ainda define três tipos de lei a saber:




a) Lei Eterna - plano de Deus para a elaboração do universo. Evidentemente toda a ordem do universo exige um ordenador e esse ordenador é o próprio Deus. Aos conjuntos de leis elaboradas por Deus na criação do Universo, dá-se o nome de Lei Eterna.








Diz ainda Tomás de Aquino que por uma coisa ser conhecida ou por ela mesma ou por seus efeitos, todo homem conhece a lei eterna através dos efeitos que ela produz. A lei eterna é a lei suprema, a planta baixa da casa. É de onde todas as outras leis, inclusive a Lei Natural vêm.








b)Lei Natural - preceito ligado à própria natureza do homem. O homem tem uma só natureza e portanto uma lei que rege sua natureza. Nesse sentido, podemos dizer que existe uma lei natural. Inclusive, acrescenta Tomás, assim como o fogo tende a esquentar, o homem tende a agir racionalmente, pois é da natureza humana a razão e agir segundo a razão é agir com virtude, por isso a virtude pertence a lei natural.








c)Lei Positiva - É a lei organizada pelo homem para prover o bem geral. O homem por ter sua tendência a virtude, a agir racionalmente, precisa de disciplina e portanto de um agente disciplinante. A lei humana é criada para disciplinar e organizar a ação humana de acordo com o bem geral dos homens, mas consiste ela mesma de um derivado da Lei Natural (que por si já é derivada da Lei Eterna).














Bibliografia:





Jolivet, Regis - Tratado de Filosofia Vol III: Metafísica


Aquino, Tomás - Sumae Teologicae, Prima Secundae: Q90 a 97(Tratado de la Ley en General)

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