sábado, 30 de outubro de 2010

Se Deus existe


Do nada, nada vem. - Heráclito
1- Introdução
Quando ainda estava finalizando o meu ensino médio, me deparei com a filosofia de Tomás de Aquino através das provas da existência de Deus. Como muitos estudantes da época, eu era muito ligado
à gnose e pensamentos positivistas que, sem sombra
de dúvida, foram inculcados desde minha infância pelas aulas escolares.
Me recordo ainda de uma aula na quinta série, aonde uma professora queria como resposta para um exercício, uma solução positivista e materialista. Perguntava o exercício qual a teoria científica para a origem do universo. Os alunos tinham que responder "Big Bang" ou teriam a questão zerada.
Sem querer negar a hipóstese do Big Bang nesse momento, a teoria não explica a criação do universo, uma vez que parte da existência do condensado de matéria primordial. Portanto explicaria bem como surgiu o universo como conhecemos agora, mas tampouco de onde surgiu o condensado de matéria. Incrivelmente Tomás de Aquino já tinha a resposta para essa pergunta 700 anos antes da proposta. Ora, havia alguma coisa de errado com as idéias vigentes no mundo e eu não sabia o que.
Assim me lancei no realismo moderado e aos poucos fui percebendo que suas teses deveriam ser explicitadas ao mundo, que ignora toda a possibilidade de demonstrações metafísicas, como é a própria existência de Deus.
Faço aqui, mais um testemunho do que uma análise da tese tomista, uma vez que podemos encontrá-las aos montes pela internet.

2- Se pode provar que Deus existe?
a)O Postulado Nominalista
O problema do conhecimento humano sempre foi uma das questões mais interessadas aos filósofos. A dúvida, a certeza, os processos de conhecimento foram sempre examinados com o intuito de estabelecer suas causas. Dentre as correntes que mais se estabeleceram historicamente está o idealismo platônico.
Foi Parmênides, na antiguidade, que estabeleceu os princípios do idealismo quando afirmava que o real é o ser e não a mudança. É fato que os seres estão sucetíveis a mudança, mas segundo Parmênides a mudança era aparente. A inteligência captaria a mudança, mas nunca captaria o ser, de forma que o ser em si mesmo seria ininteligível.
Contrariamente a Parmênides, Heráclito dizia que o que existia realmente era a mudança e que o ser não passava de um elemento artificial utilizado pela inteligência ao separar a mudança das coisas mutantes. Vamos ver, como foi que Aristóteles solucionou esse dilema ao criar o primado do Hilemorfismo.
Ao admirar profundamente as reflexões de Parmênides, é que Platão desenvolveu sua crítica do conhecimento, aprofundando ainda mais as teses de Parmênides. Assim é que Platão define a existência de dois mundos: o mundo das idéias e o mundo real.
Segundo Platão, o mundo real era inatingível pelo mundo das idéias. O homem não teria da realidade senão uma noção vaga causada pela agitação dos sentidos. Apesar disso, Platão sabia que para cada coisa no mundo real, havia uma idéia relacionada e isso ele só pode solucionar com o advento do Inatismo ao postular que as idéias primordiais são incutidas no homem por Deus. Uma solução nem um pouco provável.
Mesmo Aristóteles tendo refutado todo o idealismo de Platão, suas idéias permaneceram correntes até os dias de hoje e estão presentes em muitas das doutrinas contemporâneas.
Durante a idade média, o platonismo foi retomado sob uma nova espécie: o Nominalismo, cujo representante máximo foi Guilherme d’Ockam. O nominalismo leva a consequência máxima todo o primado platônico. O nominalismo se debruça sobre o problema das palavras como expressão da realidade. Diziam os nominalistas que a idéia não passa de um termo arbitrário do conhecimento, isto é uma expressão interior e arbitrária da realidade, daí o nome da corrente: a idéia não passa de um “nome” da coisa, da mesma forma como a palavra não passa de uma expressão arbitrária da coisa.
Se a coisa não pode ser atingida pela inteligência, resta saber se a coisa existe realmente. E eis o princípio da imanência: A coisa em si é o termo de uma inferência, ou seja um problema a resolver.[1]
Nota-se que este princípio advém dos postulados nominalistas como o da impossibilidade de se conhecer a coisa em si, trata-se portanto de um pseudo-problema. Basta que refute os postulados nominalistas, para que caia por terra o próprio princípio da imanência.
Refutação 1
A dúvida da realidade da coisa supõe a própria coisa. Se de fato, como quer o nominalismo, a coisa não existe, por qual motivo considerar-se-ia o problema da sua existência?
Refutação 2
O nominalismo, como toda ciência, utiliza-se da razão para elaborar-se. A razão opera sempre por idéias que são representações intelectuais das coisas. Caso essas coisas não existissem, todo raciocínio humano não passaria de um mar artificial aonde as idéias se propusessem sequecialmente. E isso inclui o próprio nominalismo. Se o nominalismo levasse em consideração os seus princípios para criticar sua própria doutrina, segue-se a própria invalidade da mesma.
Refutação 3
O postulado nominalista propõe que a percepção e a imaginação são a mesma coisa. Quer dizer, o mundo “real” não passaria de uma imaginação do sujeito. E é a psicologia que vai desmentir essa proposição.
As imagens são representantes cognitivos do objeto. Assim é que podemos trazer o rosto de uma pessoa a inteligência, sem essa pessoa se fazer presente. A reprodução, fixação e combinação de imagens damos o nome de imaginação. Assim é que podemos mentalmente combinar vários sons e compor uma música. Já a percepção é o ato em que um objeto se faz presente ao sujeito psicológico através da sensação, que é provocada pelo estímulo de um órgão sensorial. Para os nominalistas, não há diferença entre a percepção e a imaginação, tanto trazer a imagem de uma foto a tona quanto olhar para essa imagem são o mesmo processo.
O estudo da perceção e da imaginação demonstra claramente que a percepção é um estado forte, aonde as coisas são apresentadas definida e claramente ao sujeito. Ao contrário, a imaginação não tem a força, nem a definição e nem a clareza que a percepção sucita. Por isso é mais fácil desenhar uma fruta olhando para ela(percebendo-a) do que de memória(imaginando-a).
Refutação 4
Num mundo aonde tudo é ilusão, o termo ilusão não faz sentido. De fato, as consequências do nominalismo definem os processos cognitivos como ilusões. Mas se tudo é ilusão, como podemos saber da existência de uma ilusão?
Refutação 5
Só se pode saber que há ilusão, quando se conhece a coisa. O nominalismo quer dizer que as idéias nunca se adequam as coisas. Se o nominalista diz que não podemos conhecer realmente a coisa, como é possível saber que as idéias não se adequam a coisa?
Outras inúmeras refutações são possíveis, mas no momento bastam algumas para fazer cair por terra o princípio de qua o homem não pode conhecer as coisas.
b)O Empirismo
Baseado nos princípios nominalistas é que modernamente temos o a doutrina do empirismo. O empirismo professa que a inteligência não pode alcansar o mundo real, mas a sensação pode. Assim é que somente aqueles dados sensíveis(cor, som, cheiro etc) é que seriam reais, aqueles dados metafísicos (ser, verdade, causalidade etc) nada tem de real por não haver um elemento sensível que os possa demonstrar.
De certa forma, o empirismo leva a um ceticismo das coisas metafísicas, esquecendo-se do fato de essas coisas metafísicas são utilizadas pelo próprio empirismo para demonstração da sua tese. O ceticismo se resume assim: Não é possível chegar ao conhecimento de nada.
No caso do empirismo, o ceticismo fica reduzido ao campo metafísico.
Refutação do Ceticismo
O cético deve admitir a veracidade concomitante das duas frases a seguir:
  • Não é possível chegar ao conhecimento de nada.
  • É possível chegar ao conhecimento de tudo.
Evidentemente, nenhum cético na prática assume a veracidade das duas frases e isso porque o cético assume previamente o princípio da não contradição como um princípio do ser. Ora, servindo-se do princípio da não-contradição, o cético serve-se de uma certeza, levando ao fundo do poço sua própria doutrina.
Contudo, o empirismo ao negar apenas a realidade metafísica, parece solucionar o problema do ceticismo.
Refutação 1
O empirismo pretende que apenas os dados sensíveis são passíveis de realidade, reduzindo toda a ciência a uma espécie de cópia dos fenômenos materiais. Ora, que necessidade teria uma cópia da realidade? Bastaria-se que vivêssemos a realidade evento após evento, como fazem os animais e seria essa própria vivência uma ciência. Vê-se que o empirismo ao destruir a realidade metafísica, destrói toda a ciência possível.
Refutação 2
A ciência busca sobretudo descobrir a causa e o efeito das coisas, que são conceitos metafísicos. Assim sendo, os dados sensíveis puros não servem para a ciência, pois não lhes é atribuído valor. A física encontra a relação de um fenômeno com outro e essa relação está além dos sentidos. É a razão humana que vai encontrar no real as causas e explicitá-las através das equações e leis científicas e não os órgãos dos sentidos. E a razão ao supor a existência da causalidade, do princípio da não-contradição, da relação e finalidade das coisas,conceitos metafísicos que são, só o pode fazer mediante observação da realidade e no caso do homem toda realidade parte dos órgãos dos sentidos. No caso da física, o físico se pergunta: “qual a causa da chuva?”, por pressupor metafisicamente a existência da causa. Estabelece o fim de uma hipótese por observar que dentro dela um mesmo elemento se contradiz e só o faz por pressupor o princípio metaafísico da não-contradição. Pergunta-se: “para que serve?” por pressupor a existência de uma finalidade das coisas. E todos esses conceitos(causa, efeito, finalidade) são conceitos adquiridos através da observação. O conceito de causa, por exemplo, pode ser facilmente verificado pelo homem primitivo quando ao bater o dedo com uma pedra, percebeu que tal ato causava-lhe dor. Ao riscar uma pedra na outra, percebeu que tal risco causava calor. Obviamente a abstração desses fatos e a nomeação (causa, efeito, finalidade) só se dá muito tempo depois. Assim é que o empirismo ao querer, tendenciosamente, excluir da observação sensível a aquisição do conceito metafísico, acaba por excluir toda ciência.
c)A Certeza
A inteligência conhece as coisas e pode alcançar a certeza. E só o pode pelo fato de ser a ideia produto de um ser espiritual. É a alma que apreende ativamente a ideia através da imagem, ao contrário do que queria Descartes ao dizer que a alma recebia passivamente o ser.  A inteligência forma a idéia baseando-se para tal na imagem que recebe através dos sentidos. É demonstrando as condições da certeza e a natureza da ideia que vamos poder permitir demonstrar a existência de Deus como um fato certo, isto é de certeza humana.
Entre a ideia e a coisa existe a diferença de que a ideia é universal e abstrata enquanto a coisa é sempre concreta e individual. Assim , a ideia de caderno é uma ideia genérica que corresponde a cadernos em geral e não a um caderno específico. Como é possível que a inteligência construa a ideia abstrata e universal a partir da coisa concreta e individual?
Primeiro definimos ideia, apreensão e verdade.

  • Ideia - representação intelectual do objeto
  • Apreensão - ato pelo qual a inteligência concebe uma ideia
  • Verdade - Adequação da ideia ao objeto
Depois definimos as causas do conhecimento.
  1. Causas subjetivas
    Distingue-se os dois modos de existir da coisa. Há o modo natural e o modo intencional. O modo  natural é a coisa em sua própria natureza concreta e individual. O modo intencional é a coisa na inteligência do cognoscente. Em outras palavras, a ideia é a própria coisa sob outro aspecto.
  2. Causas objetivas
    Toda inteligência possui consciência. Mas a psicologia nos assegura que a consciência é sempre consciência de alguma coisa. Em outras palavras, a consciência é objetivante. Não existe consciência de nada. Assim é que todo conhecimento é objetivo, por se relacionar sempre com o objeto.
Assim é que fica estabelecido como a inteligência é capaz de conhecer as coisas. E validando a capacidade da inteligência de conhecer as coisas é que lhe damos créditos para conhecer a existência de Deus.
3-A metafísica
Toda ciência é por definição o conjunto de conhecimentos conectados acerca de algo ou o conhecimento certo das coisas pelas suas causas. E tem toda a ciência um método próprio e um objeto próprio que a delimita.
A física estuda as causas dos seres materiais. A biologia estuda a causa nos seres vivos. A matemática estuda a causa nos seres quantitativos. A história estuda a causa dos eventos devido ao comportamento humano. Mas e qual ciência estuda a causa como tal? A metafísica.
Nota-se que as leis das causas físicas são inaplicáveis as causas históricas. Como aplicar o princípio fundamental da dinânica a segunda guerra mundial para estabelecer-lhe os motivos? Desta maneira, toda ciência tem um objeto próprio com causas próprias. Esse fato comum a toda ciência é estudado pela filosofia. Pois a física pressupõe a existência de causas físicas e já que ela mesma que vai estudá-las não pode determinar-lhe as características por não possuir método para tal. Como poderia a física definir a si própria se ela tem por objeto os seres físicos e ela mesma não é um ser físico? É a filosofia quem vai estudar e determinar as causas não só da física como de toda ciência. É a ciência das ciências, isto é a ciência que tem por objeto a ciência. Por isso mesmo Aristóteles chamava de ciência primeira.
Mais precisamente, a parte da filosofia que estuda as ciências denomina-se Cosmologia. Porém há uma parte da filosofia que estuda as causas gerais do ser e o próprio ser em geral. É a metafísica.
a) Porque a metafísica é uma ciência?
Pela própria definição de ciência que demos acima, vemos perfeitamente que a metafísica é uma ciência.

  • Ciência – conjunto de conhecimentos conectados acerca de algo; conhecimento certo das coisas pelas suas causas.
Na primeira asserção a Metafísica é uma ciência, pois é um conjunto de conhecimentos conectados acerca do ser. Na segunda asserção também, pois a Metafísica é o conhecimento certo do ser pela suas causas.
Ainda, a Metafísica é uma ciência experimental, por depender da observação da natureza pelo homem. Assim é que o homem observa a existência da causa, desde os primórdios da humanidade e observa a existência do ser desde que sua alma tem início. Contudo, não é a metafísica uma ciência exclusivamente experimental. Ela se baseia em fatos simples para então na inteligência promover toda a especulação. Ao contrário das ciências exclusivamente experimentais que a todo instante dependem da experiência para verificar a realidade de suas especulações. Isso não diminui a cientificidade da metafísica. A metafísica abstrai do ser material o ser geral. Abstrai da causa física a causa geral. E devido a esse fato é uma ciência puramente intelectual por lidar com elementos abstratos.A abstração, aliás, pode ser dividida de acordo com os graus.

A metafísica, como podemos ver, toda ciência abstrai algo, a história ignora as leis da física, a psicologia ignora as leis da matemática e as ciências naturais ignoram a psicologia. Sendo assim, a abstração não só é lícita à ciência, bem como lhe é natural. Por isso, a metafísica licitamente vai abstrair-se dos acidentes do ser (cor, tamanho, peso, cheiro etc) para lidar com o que todas essas ciências tem em comum: o Ser.
Desta maneira definiremos a metafísica como ciência do ser enquanto ser.
obs.: Pode-se definir a matemática como ciência do ser enquanto quantidade; a física do ser enquanto corpo; a biologia do ser enquanto vivo etc.

b)Existência de Deus e Fé
Há os que afirmam que a existência de Deus só pode ser admitida por fé. Confundem alguns princípios que, se distinguidos, corrige-se o erro.
É fato que o homem utiliza da fé para o conhecimento das coisas e não há nisso problema algum. Desde criança, somos obrigados pela nossa própria natureza a agir por fé. Assim , confiamos nos nossos pais e nos seus ensinamentos, nos nossos professores e nos seus ensinamentos e, aliás, é assim que acreditamos no erro. Logicamente é dificílimo explicar para uma criança como é possível que Deus exista e da mesma forma que seria explicar o funcionamento de um motor de automóvel. Primeiro pela debilidade da inteligência que ainda não está acostumada a lidar com idéias abstratas, depois por uma necessidade de admissão de outras teses e conceitos que o própria extensão dificultaria a explicação em termos imediatos. Por exemplo, todos chamamos aos nossos pais de “pais” sem exigir-lhes um exame de DNA. Alguém que odeie a fé, deveria agir sensatamente e apenas afirmar aquilo que pode ser provado.
Contudo a existência de Deus pode ser provada. O que não se pode depreender/provar são seus atributos revelados: A trindade de Deus, a encarnação de Deus em Cristo, a criação do universo segundo o livro do Gênesis são exemplos de coisas que não podem ser demonstradas, senão aceitas mediante exercício de fé.
Conforme isso, afirma Tomás de Aquino na Suma contra os Gentios (Cap III - art 2).
 Mas se por um lado essas coisas não podem ser demonstradas, a ciência teológica consegue defender essas teses mediante análises de possíveis contradições entre o que se pode afirmar mediante a razão e o que se pode afirmar mediante a fé.
A razão é a faculdade que permite alguns seres conhecer as coisas. Assim é pela razão que conhecemos a nós mesmos e é pela razão que conhecemos a própria razão. É a razão mesma que atesta a limitação da inteligência humana e humildemente atesta a licicitude da fé.
A fé consiste, pois, numa consequência natural da razão humana e por isso mesmo não há fé no falso. A fé é sempre no verdadeiro inatingível pelo homem revelado por outrém. Esse inatingível pode ser relativo como no caso da criança que ainda não encontra o amadurecimento suficiente para conhecer algo ou absoluto como no caso de todo homem que não pode conhecer mediante a razão a trindade de Deus. No caso da criança, ela confia na revelação do adulto. No caso do homem em geral, confia na revelação de Deus.
A crença no falso pode ser estabelecida quando confia-se numa revelação não fidedigna. E é a razão mesma que vai encontrar a fidedignidade do revelador. Por isso mesmo que para Tomas de Aquino a fé e a razão andam juntas.
"Praestet fides suplementum sensuum defectui", dizia. (Sirva a fé de suplemento à fraqueza dos sentidos)
Essa exposição nos revela que é preciso separar a existência de Deus da sua natureza revelada. Uma conhecida mediante razão, outra conhecida mediante fé. Uma objeto da metafísica, outra objeto da teologia. É sobre a primeira que falaremos.

c) A ciência metafísica é a ciência do ser enquanto ser
No que difere a metafísica das outras ciências?
Se classificarmos as ciências em grupos, veremos que as ciências podem ser organizadas de acordo com o grau de abstração. Dessa maneira temos:

  • História e suas ciências: como ciências bem pouco abstratas.
  • Ciências naturais: como ciências mais abstratas.
  • Matemática: como uma ciência bem abstrata.
  • Psicologia: como uma ciência abstrata que trata do ser cognitivo.
  • Metafísica: como uma ciência abstratíssima que trata do ser.

4- A mudança

Os predecessores de Aristóteles formulavam várias explicações para a natureza da mudança.
Heráclito de Éfeso ao se deparar com a mudança postula: não se pode banhar duas vezes no mesmo riacho. Para Heráclito a mudança era a única coisa que existia, sendo a existência do ser apenas um postulado artificial da inteligência. Entendia ele que se as coisas mudam inexoravelmente era impossível que o ser (imutável por definição) pudesse significar algo de real.
Já Parmênides de Eléia dizia que a única coisa que existe era o ser e que a mudança nada mais é do que um artifício da inteligência. Ignoravam ambos que a mudança era procedida por dois seres: um ser que muda e um ser mudado.
Foi Anaxágoras que instituiu que a mudança do não ser em ser se produziria por algo que contivesse em si todas as naturezas e todos os seres e por isso, ele mesmo instituiu a teoria da evolução, aonde de um ser que contivesse todas as essências seriam possível o surgimento de cada ser no universo.
Na época de Aristóteles, Platão já estava bem próximo da resposta definitiva, mas balbuciou ao afirmar que o ser está só nas idéias e que o mundo sensível era apenas manifestação do devir. Assim, a mudança teria uma característica não real. Seu discípulo, Aristóles, vem para explicar que as coisas mudam no mundo real e que o mundo real nao é só o mundo das idéias. A solução para o problema de seus antecessores, Aristóteles resolve com o primado do Hilemorfismo.

3- Ato e Potência
Há um fato observável que é "o ser precede a mudança". Se uma coisa muda, muda pois antes existia e continua existindo após a mudança, sendo que a mudança é exatamente o deixar de existir numa forma e passar a existir de outra forma. Quanto pintamos o cabelo, o cabelo deixa de possuir a cor anterior e adquire a cor posterior. Ainda assim, é possível um tipo de mudança aonde não mudam só os acidentes como cor, forma, som, mas também a essência, como seria se um gato se transformasse num pato. Através desta simples observação, postulamos que o ser precede a mudança.

Se um ser que existe muda, o faz de duas maneiras: ou muda por si mesmo ou muda por outro. Não posso mudar a cor do meu cabelo sem recorrer a outro ser e , no caso, a tintura vem mudar meu cabelo. Daí duas observações: O cabelo tinha a possibilidade de adquirir tal cor e; a tintura tinha a possibilidade de tingir o cabelo. Enfim, temos o ato e a potência.
O cabelo tinha a potência para adquirir tal cor e a tintura tinha o ato para doar a cor. Dessa maneira é que as condições para a efetuação da mudança estão satisfeitas se não faltasse o agente efetuador. A mudança não pode existir sem um agente efetuador, pois mesmo o ato, tem algo de potência. A tintura tem a cor (ato), mas é incapaz de pintar (potência), logo precisa de um agente pintor. Por aí diferenciamos o ato primeiro do ato segundo, aonde o ato primeiro seria aquele com a propriedade e o ato segundo, aquele a executar a mudança. Isso explica porque não nos deparamos nas nossas ações cotidianas com um ato puro, isto é um ato que não seja potência para algo. Todo ato é potência para alguma coisa e essa coisa ele encontra em outro ato. Bem, nem todo. Veremos posteriormente o porque.

  • Ato: aquilo que é, no exato sentido do verbo "ser".
  • Potência: aquilo que pode ser.
  • Movimento: passagem de potência para ato num ser.
4- Causalidade
Admitimos na tese anterior que existe mudança, o devir. Classificamos a mudança no ser como movimento. Nos resta agora , demonstrar que o que se move não move por si mesmo.
No caso da tintura de cabelo, sabemos que os fios de cabelo são potência para a nova cor. Em outras palavras, não possuem a cor, mas podem possuir. Quanto à tintura , ela é ato para a cor.
Mas observamos que não basta o ato e a potência para se efetuar a mudança. Há que ter um agente para efetuar e esse agente é a própria causa da mudança. Outras duas importantes questões correspondem à finitude e composição dos corpos.
Sabemos que por natureza, os corpos materiais são finitos e compostos. Finitos, pois tem um tamanho e forma mensuráveis. Compostos, pois podem dividir-se em várias partes (divisíveis). Há uma realidade nos seres finitos que distingue sua essência de sua existência, uma vez que uma existência finita implica numa essência finita. Desta forma, se ambas são finitas acabam por se distinguir. Como exemplo, tomemos duas panelas que sao seres finitos e compostos. Se considerarmos que uma panela representa a essência e se considerarmos que outra representa a existência, temos que elas não se confundem. No caso em que elas se confundem, se identificam uma com a outra, teríamos uma panela só e não duas panelas, já que são seres finitos. Por outro lado, no caso de panelas infinitas, ambas as panelas se confundiriam, pois um objeto infinito por sua definição não tem limite. Resta saber se existência finita implica realmente numa essência finita. Tomemos como exemplo o caso em que tenhamos que listar todas as características de um porta-lápis. O que pudermos listar será a essência e o porta-lápis será a existência. Logicamente que nossa lista por mais imensa que possa parecer, será finita tanto quanto o objeto a que se refere. Há contradição em dizer que é possível enumerar características infinitas de um ser finito e vice-versa e por isso mesmo essência e existência estão em relação de igualdade quanto à finitude.
                        Figura: Panelas encaixáveis.


Se a essência e a existência são finitas em alguns seres, decorre-se que o ser finito tem que recorrer a outro ser que lhe comunicará sua existência. Isso se dá uma vez que no ser finito com sua essência finita tem sua existência necessariamente recebida de outro ser, se não recebesse, seria ele próprio "doador" e "receptor" da sua existência, um ser tipicamente infinito e absoluto. Não é o caso da lista, tampouco dos outros seres igualmente finitos.
Sabemos que os seres finitos são causados por outros seres, mas cada um de uma forma diferente. Assim, temos 4 tipos de causas: uma quanto à matéria de que é feito o ser, uma quanto a forma, uma que lhe confere a existência e outra que lhe dirige um fim.
  • Causa Material: aquilo de que uma coisa é feita, não necessariamente físico. Ex.:"A humildade causa a estudiosidade."
  • Causa Formal: o que determina a matéria para uma espécie dada. Ex.: "O Pintor pinta o quadro com a tinta."
  • Causa Eficiente: o que confere existência a algo. Ex.: "O compositor causa a música."
  • Causa Final: aquela que move ação. Ex.: "Componho para glorificar a Deus (Bach)"
a) Causa Material
A causa material ao contrário do que se pensa, é a coisa que serve como meio causal para outra. Os ingredientes de um bolo são a causa material do bolo, as tintas são as causas materiais do quadro e o som é a causa material da música. O que fazem o cozinheiro, o pintor e o músico é dar forma a essa matéria. Portanto Causa Material não deve ser entendida como Causa Física, que comporta um sentido completamente diferente ao termo "material", quando dizemos matéria física.

b) Causa Formal
Causa formal nada é mais é do aquilo que vai dar forma à matéria. O ato de bater a massa, o ato de colocar as cores na tela e o ato de encadear notas todos dão forma a um ser antes informe. Logicamente que já havia forma na farinha de trigo, na tinta e no som, todavia não era forma de bolo, quadro ou música, era forma de farinha, tinta e som. O exemplo serve apenas para ilustrar que as coisas que possuem forma o adquirem devido a uma causa forma que lhes confere não a existência, mas a forma.

c) Causa Eficiente
É certo que o ser possui forma e matéria, mas sobretudo possui existência. E se a possui e não foi o fornecedor de tal existência, só é possível que tenha adquirido-a de outro. Esse outro é a causa eficiente. Assim, o cozinheiro, o pintor e o músico são exemplos de causas eficientes pois conferem ao bolo, à tela e à música uma existência e isso é o próprio devir, já que antes não existiam e passam a existir, passam pois de potência a ato pela mão dos seus geradores.

d) Causa Final
A causa final é talvez, a causa mais abstrata, mas é a determinante na mudança por estar extrinsecamente ligada às coisas sendo que a inteligência percebe sua existência desde a mais tenra idade. Assim quando a criança pergunta "para que?" o faz porque vê em geral nas coisas uma finalidade e se não lhe é evidente a finalidade, pergunta. O bolo serve para comer, a pintura e a música para agradar, mas sobretudo a causa final é quando os agentes (cozinheiro, pintor ou músico)deliberam sobre isso e desejam dar uma finalidade à matéria-prima de suas obras. Às vezes a causalidade final aparece sobre um apelo do desejo quando , por exemplo, alguém deseja saciar a fome e causa uma refeição, por assim dizer. O desejo de saciedade acaba sendo a causa, o motivo, o "para que" tal sujeito faz a refeição (saciar a fome).

4.2- Causalidade Intrínseca ao ser
     A causa Formal e a causa Material são denominadas causas intrínsecas ao ser. Isso se dá pelo fato de reduzirmos a causa material à potência e a causa formal ao ato. Assim, o mármore em que Michelângelo esculpiu "Davi" é potência para a forma esculpida, mas o próprio artista Michelângelo é o ato para a escultura, por ter em seu intelecto a forma da mesma , imprimindo-a no mármore.
Em geral, as causas formais e materiais são estudadas pela filosofia da ciência, por dizerem respeito mais à natureza física do que à natureza metafísica.

4.3-Causalidade Extrínseca ao ser
4.3.1- Princípios x Causa
     Princípio se define assim:
  • Aquilo de que uma coisa procede seja de que modo for
     Causa se define assim:
  • Aquilo de que uma coisa depende quanto a existência.
     Desta maneira podemos depreender que a causa é um dos modos pelos quais uma coisa procede, em outras palavras toda causa é um princípio, mas nem todo princípio é uma causa. O princípio de identidade, por exemplo, é da onde procede o princípio da não-contradição, mas não é a sua causa.

4.3.2-Causa Eficiente
     Como definido acima;
  • Causa Eficiente - Aquilo pelo qual uma coisa é.
     A causa eficiente difere da causa final em certo aspecto, pois embora ambas sejam aquilo pelo qual a coisa é, a causa final o é segundo a intenção, enquanto a causa eficiente é o que produz efetivamente a mudança.
4.3.3- Causa Principal x Causa Instrumental
     Deve-se entender que a causa pode agir pela sua própria força ou por força de outra causa. Assim, o serrote é causa do corte na madeira, mas o marceneiro também. A questão é que o corte toma forma na intenção do marceneiro e toma existência na madeira, o serrote é o instrumento que o marceneiro utiliza para imprimir na madeira a forma que concebeu, o corte. O marceneiro é a causa principal e o serrote é a causa instrumental.

4.3.4- Causa Primeira x Causa Segunda
     Hierarquicamente podemos classificar a causa em causa primeira e causa segunda no que diz respeito a dependência de uma causa em relação a outra.

    Assim é que o primeiro dominó nessa série é a causa primeira e os outros são as causas segundas no tombo do dominó seguinte. Se analisarmos com mais precisão, poderíamos dizer que a mão que empurrou o dominó é realmente a causa primeira. E somente o indivíduo que contém a intenção possui a causa formal do tombo em sequência. Assim, sempre precisamos distinguir a causa primeira da causa segunda. De certa forma, a causa segunda é sempre uma causa instrumental da primeira. O primeiro dominó não poderia atingir o último senão através dos dominós intermediários.

4.3.5- Consequências
    A análise das questões da causalidade eficiente nos coloca de frente a algumas conclusões acerca da eficiência.
a) A causa age em ato
    Como visto anteriormente, uma tinta branca não pode pintar uma parede de vermelho. É necessário que a tinta seja vermelha em ato para causar a "vermelhice" da parede. 
b) A causa não muda pelo fato da ação
    A causa não perde sua atualidade ao produzir um efeito. Contudo ela pode sofrer uma mudança decorrente de outra causa no momento da mudança. Portanto há que diferir todas as causas envolvidas e discernir todas as mudanças no processo. Se o ser em ato em uma mudança sofre modificação é porque há outra mudança no fenômeno observado.
c) A ação está no paciente
    O título desse blog, "Actio est in Passo", advém da causalidade eficiente. Se definirmos os seres envolvidos na mudança como agente e paciente, sabendo que o agente é ato e o paciente é potência, poderemos perceber que todo o processo de mudança ocorre no paciente. O agente é aquele que desencadeia o processo de mudança que ocorre no paciente.
d)O efeito preexiste na causa
     Para que o paciente obtenha o resultado da mudança é necessário que a causa possua de antemão o resultado dessa mudança. Não é possível a frenagem do carro se o indivíduo tenha mentalmente o efeito desejado. Também não é possível salgar uma comida com algum condimento que não seja salgado, por exemplo com açúcar. Por isso diz-se que o efeito preexiste na causa, obviamente sob forma atual.

4.4- Causa Final
Acima definimos causa final como uma causa que visa um determinado fim. Então, o arquiteto que planeja uma casa, vai dispor dos meios necessários para atingir o fim que é a realização do projeto. Alguém poderia objetar dizendo que quem executa o projeto é o pedreiro e por isso a causa final é o pedreiro. Porém, nessa circunstância o pedreiro é causa instrumental que serve ao arquiteto como meio de realização do seu projeto. Afinal, a casa imprime o estilo do arquiteto e não do pedreiro.
Com efeito, a catedral de Brasília é uma obra de Niemayer, o arquiteto.

Outra questão a salientar é que o fim é o primeiro na concepção e o último da série causal e só o pode ser em vista da natureza da causa final: a inteligência.
Assim é que a causa final está sempre relacionada a um agente inteligente. Pois somente a inteligência encontra finalidade nas coisas. O corpo humano não começa a emagrecer assim que está gordo. Somente a inteligência que enxerga a finalidade do emagrecimento começa a disciplinar a vontade a fim de atingir um tal fim, a saúde, e começa a dispor dos meios necessários para alcançá-la. Daí se decorrem 2 fatos:
  • O agente age pra um fim
  • O fim deve ser conhecido
O agente age para um fim, pois se não estivesse determinado para produzi-lo, poderia produzir qualquer coisa, sendo portanto um mero acaso. 
E o fim deve ser conhecido para ser buscado. Como uma causa eficiente buscaria um fim indeterminado?
O fim da obra, muitas vezes é distinto do fim do agente. Assim, um artista pode produzir uma obra por diversas finalidades pessoais (reputação, ideologia, ganha-pão), mas a obra possui uma finalidade própria que é a realização.  Também devemos distinguir entre fim principal e fim secundário, o primeiro quando o trabalhador visa realizar a obra, o segundo quando o trabalhador visa ganhar o dinheiro.
Assim, definimos:
  • Fim - aquilo porque o efeito é produzido
  • Causa Final - causa que age visando um fim

4.5- Causa Exemplar
A causa exemplar se define assim:

  • Modelo segundo o qual o agente produz sua obra; ou:
  • Modelo do efeito.
Se pensarmos em termos de causalidade final, saberemos que a causa final age segundo um fim que conhece. Esse fim, inicialmente é intencional, só após o devir se torna realizado fora da inteligência. Essa intenção que serve de modelo para a execução da obra é a própria causa exemplar. A causa exemplar vai ser essencial mesmo para a causa final, visto que a causa final não age sem ter um modelo do fim a realizar.

4.6- O acaso
Para se entender a necessidade de uma causa para as coisas que mudam, há que entender como se dá o acaso e qual a sua definição. Assim retira-se a possibilidade de ocorrência de um evento meramente por acaso. Muitas vezes confunde-se acaso com ocorrência sem causa, o que é de certo um absurdo.
Em geral podemos notar que o acaso é uma ocorrência em que não podemos dizer exatamente qual a finalidade da causa. Quando tropeçamos e caímos num local macio, por exemplo, fica a impressão de que o local macio foi colocado com a finalidade de amortecer o impacto da nossa queda. Essa é uma realidade subjetiva do acaso. Aparece como um acontecimento que tem causa final, mas que não tem realmente. Não para a inteligência humana.
As causas também podem ser classificadas em essenciais e acidentais. O serrote ao serrar uma madeira é causa essencial do corte, mas é causa acidental do barulho. O efeito que se quer produzir é o corte, o efeito acidental do corte é o barulho.
Por outro lado, objetivamente falando, um acontecimento casual se dá quando duas ou mais sequências causais acontecem simultaneamente, mas como efeito de causas acidentais. Isto é: o acaso é produto de duas ou mais causas acidentais. Por isso mesmo fica aparente que exista uma finalidade no efeito do acaso. De certa forma, não há equívoco da inteligência humana em pressupor que haja uma finalidade em todos os efeitos. A questão é que nem sempre poderá encontrar todas as causas dos efeitos apresentados, seja por dificuldade da coisa ou pela própria limitação da mesma inteligência humana.

  • Acaso - Quando duas ou mais causas acidentais agem concorrentemente.
Assim fica esclarecido que mesmo um evento casual possui causa. Dizer que o universo surgiu por acaso constitui dizer apenas que o universo surgiu por duas ou mais causas acidentais e não que surgiu sem causa, o que, como dissemos acima, constitui um absurdo.

4.7- A série infinita
Utilizando o exemplo da tinta que pinta, podemos descrever uma longa série de causalidades.
  1. A parede é vermelha por causa da tinta;
  2. A tinta é vermelha por causa do pigmento;
  3. O pigmento é vermelho por causa de seus componentes químicos;
  4. Os componentes químicos refletem a luz vermelha por absorverem as outras cores;
Como ficou definido acima, causa instrumental é a que age como instrumento de outra causa. A questão, portanto se incide sobre três fatos:
a) As causas na série infinita não são causas primeiras, são causas segundas, por isso mesmo as chamamos causas instrumentais. Se fossem causas primeiras não necessitariam de uma causa anterior.
b) As causas em série infinita apenas agem transmitindo a eficiência de uma causa inicial.
Por esses dois motivos percebe-se a impossibilidade da série infinita, já que é preciso de uma causa inicial que transfira eficiência à sequência infinita de causas.
Como definido acima, causa eficiente é "aquilo pelo qual uma coisa é".  Na lista de causas que precedem a cor da parede, fica-se em evidência que cada causa é por outra causa. Afinal, que causa teria transmitido a eficiência a essa série de causas?
Certamente não podemos admitir que exista uma série essencialmente infinita.  E de fato há uma causa primeira que age transmitindo a sequência de causas sua eficiência. Tentaremos através de Aristóteles demonstrar a existência dessa Causa Primeira, que chamamos Deus.

5- Da Existência de Deus
5.1 - A demonstrabilidade da existência de Deus
Como C. Lahr define sucintamente o que é Teodicéia e qual seu objeto, sem acrescentar nada transcrevo o texto de seu Manual de Filosofia.
 "Nem a alma, (...), nem a matéria (...) bastam para se explicar a si próprias.  Logo têm também a sua razão suficiente noutro ser; e a metafísica não termina sua obra antes de chegar a determinar este ser primeiro, e a reduzir assim a multiplicidade infinita das coisas à unidade absoluta dum só princípio, razão última de toda a existência e de toda a possibilidade, que chamamos Deus. Tal é o objeto próprio da Teologia Racional ou Teodicéia." (pág 739 e 740)
a) A ciência empírica não possui método para encontrar essa resposta
O objeto da ciência física (química, biologia , mecânica etc) é o ser móvel e sensível. O método é sempre experimental já que o ente móvel e sensível se manifesta aos sentidos. É certo que Deus não é um objeto sensível e nem, como veremos, móvel. Desta forma, a ciência empírica não pode ter por objeto uma coisa que está fora de seu alcance. É necessário recorrer a uma ciência mais racional e menos empírica, a uma ciência abstratíssima que trata não do ser sensível e móvel, mas de todo e qualquer ser, a Metafísica.
b) Como se pode chegar a demonstrar a existência de Deus
Continua C. Lahr sobre o modo de demonstração da existência de Deus
"Quanto ao método que devemos seguir, visto o ser absoluto, a causa primeira, não ser perceptível aos sentidos nem à consciência clara, segue-se que a Teodicéia não é uma ciência experimental e de observação. Também não é uma ciência abstrata e puramente apriorística como a geometria, pois o objeto que estuda não é abstração, mas a mais real e concreta das realidades. (...) a Teodiceia deve, por consequência, empregar um método misto simultaneamente racional e experimental. Deve partir da observação dos fatos, para firma-se no terreno do real e do concreto, e servir-se da razão para se elevar até o infinito e absoluto. (...) Podemos considerar no mundo externo simplesmente o fato da sua existência, ou os movimentos e mudanças nele produzidos, ou finalmente a ordem que nele reina." (pág 742)

c) A legitimidade da prova

5.2- A primeira prova
Anteriormente ficou demonstrado que:

  • O que se move, é movido por outro
  • Nada é motor e movido ao mesmo tempo no mesmo aspecto
  • A causa instrumental age segundo uma causa principal
Assim sendo, essas três proposições nos levam a questionar se a série de motores e movidos pode ser infinita. A demonstração da existência de um primeiro motor imóvel se dá pela necessidade da ação de uma causalidade final e pela resolução da sequência infinita de motores e movidos. Admitindo-se a tese de que há um motor imóvel, deverá se demonstrar que a série de motores e movidos não pode sob nenhum aspecto ser essencialmente infinita e que essa impossibilidade se quita com a existência do primeiro motor imóvel. As três proposições anteriores são resolvidas a seguir.

5.2.1 - Tudo que se move é movido por outro
Existem três demonstrações para o fato de que tudo se move por um motor.
a) Divisibilidade do Movido
Mover-se é passar de potência a ato ou vice-versa. O processo da mudança evidentemente ocorre no tempo. Isso significa que não há uma mudança instantânea. O movido vai mudando aos poucos, isto é, durante a mudança, uma parte está movida e a outra vai se mover. Se tomarmos o exemplo da parede acima, fica claro que a parede não é instantaneamente pintada. Ela vai sendo pintada no tempo, parte por parte, até que encontra-se finalmente pintada. Em um certo momento, ela era ato e potência: ato na sua parte que acabou de ser pintada e potência na parte que ainda iria ser pintada.
Essa discussão evidencia que o que é movido deve ser corporal, isto é: composto de partes. Posteriormente se demonstrará que o indivisível não pode ser movido.
Supondo que o universo seja o motor de si mesmo, deve-se admitir que possui o princípio do seu movimento. Se não possui o princípio do seu movimento é sinal de que é movido por outro. E por princípio deve-se entender ato.
 Também não se pode afirmar que é movido por si mesmo no caso de ser movido por uma de suas partes. 
O animal , por exemplo, que se move pelas pernas é movido por uma de suas partes que, se movendo primeiramente, acaba movendo o restante do corpo do animal. Então para que se mova é necessário que o universo seja movido não por uma de suas partes e que não seja movido por outro, que significa ter o princípio de seu movimento. Assim, no mínimo seria necessário que todas as suas partes estivessem em movimento imediatamente e desde sempre.
Essas observações nos fazem concluir que se o universo (que é divisível) possui o princípio de seu movimento é porque ele é primeiramente movido do que motor. A consequência drástica desse fato é que se houver uma parte sua parada, sem movimento, isso significa que o movido não pode ser primeiramente movido, mas sim que deve ser movido por outro. No universo, isso fica muito claro, pois muitas de suas partes não estão em movimento para certos aspectos. A Lua , por exemplo, não está ganhando massa e perdendo ao mesmo tempo.
b) Prova por  Indução
Ainda que a primeira demonstração seja suficientemente definitiva, pode-se demonstrar que tudo é movido por outro através de dois outros argumentos. O argumento por indução que demonstramos agora baseia-se na noção de acidente.
As coisas podem ser ou substância ou acidente. Substância se existem por si mesmas, acidentes se existem por outras ou em outras. Assim é que a cor vermelha da parede é acidental, o movimento de translação da Terra é acidental etc. Enumerando-se diversos casos de movimento, tem-se a conclusão de que tudo que se move , se move por outro.
c) Nada está em Ato e Potência ao mesmo tempo
Terminada a segunda demonstração, podemos demonstrar pela lei da causalidade que nada está sob o mesmo aspecto em ato e potência. A parede não pode estar vermelha em ato e potência ao mesmo tempo. Isto é: A parede não pode ser vermelha e não ser no mesmo instante. O carro não pode se mover e estar parado ao mesmo tempo, a porta não pode estar aberta em potência e em ato. 
Pelo princípio de Identidade verifica-se que nada é e não é ao mesmo tempo. Por consequência, decorre-se que nada pode ser e não ser ato ao mesmo tempo. Como potência é uma espécie de não-ato, fica demonstrado que nada pode estar em ato e em potência ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto.
Como nada pode estar em ato e em potência para um mesmo tipo de movimento - nada está e não está em movimento ao mesmo tempo - , consequentemente nada se move por si mesmo, o que é equivalente a dizer que tudo que se move, se move por outro.

5.2.2 - Impossibilidade da série Infinita de motores e movidos
Acima ficou demonstrado que tudo que se move é movido por outro. Isso leva imediatamente a suscitar que há uma série infinita de motores e movidos. Vejamos porque essa série exige um ponto final que seria o primeiro motor imóvel.
a) Tudo que se move é divisível e corporal

Como já foi levantado, para que haja movimento, é necessário que o ser em movimento possua partes. Ainda que haja dúvidas a esse respeito, transcrevemos o texto de Aristóteles:
"Tudo que muda tem que ser divisível. Porque como toda mudança é de algo até algo, e quando uma coisa está finalmente mudada não muda mais, (...) (porque o que está na mesma condição, tanto em si mesmo como um todo, como com  suas partes não está mudando) , se segue então que a coisa que muda tem que estar parcialmente em ato e parcialmente em potência."
Aristóteles - Física/Livro VI-4 (Adaptação e tradução nossa)

Desta maneira, concordando com Aristóteles, devemos precisar que se há uma série infinita de motores e movidos materiais (o que se daria no universo, por exemplo) então haverão infinitos corpos. Pois se houvesse um número finito de corpos, quer dizer que a série seria finita e isso significaria a existência de um primeiro motor.
Por outro lado, na sequência infinita de motores e movidos, cada motor é simultaneamente motor e movido. Isso implica que os infinitos corpos são simultaneamente movidos e motores. Não há problema até aqui. O Problema se dá que para que um corpo material (que é divisível) esteja simultaneamente em movimento conjunto com outro, é necessário que ambos fossem como um contínuo. Isso porque para um corpo extenso, como é o corpo material, a transmissão do efeito se dá por uma de suas partes e só pode atingir uma das partes do movido, de forma que para que não houvesse apenas um contato de partes, mas sim um contato do todo corporal, faz-se necessário que movido e motor sejam uma coisa só, caso se trate de um ente material.
Como estamos supondo uma série infinita de motores e movidos e acabamos de determinar que para o movimento ser simultâneo entre os corpos materiais é necessário que sejam como contínuos, então temos um corpo material infinito. 
É certo, sem muito esforço, que não se pode dizer que um número infinito de corpos se mova em tempo finito em uma série infinita. Pois se os infinitos corpos se movem em tempo finito, é sinal que o movimento começou em um dado momento. Então deve-se admitir que os infinitos corpos se moveram em tempo infinito, o que não ocorre em nenhum movimento. Todo movimento é, por definição e necessidade, em tempo finito. Se um carro percorreu 200 km em infinitas horas , é matematicamente evidente que não andou nada (200/infinito tende a 0).

Concretamente isso significa que para um corpo finito percorrer uma distância finita em tempo infinito, isso só seria possível se o corpo estivesse no final do movimento antes de estar no começo dele. Assim fica claro que o todo movimento (a semelhança do movimento local) ocorre em tempo finito.
Ora se estamos considerando infinitos corpos em uma série infinita de motores e movidos, devemos obrigá-los a obedecer tal lei. Isto é: os infinitos corpos se movem em tempo finito cada um. Todo movimento ocorre no tempo e é impossível que infinitos corpos se movam em tempo finito da mesma forma que é impossível que um corpo finito se mova em tempo infinito. Em suma, não pode haver série infinita de motores e movidos.

O "Pêndulo de Newton" é um exemplo prático do que acabamos de defender. A primeira esfera em potência para o movimento é transformada em ato pelo homem (primeiro motor), após isto, ela transfere o movimento para a esfera seguinte e assim sucessivamente até chegar no movimento da última esfera da sequência ordenada de motores e movidos. Levando esse fato a uma análise mais minuciosa, percebe-se que em uma mesma esfera uma parte sua é movida antes da outra, quer dizer, a energia do movimento é transferida de parte em parte até que toda a esfera esteja em movimento. Ora, fica claro que em algum momento uma parte da esfera estava em ato e a parte restante em potência, ou seja: a esfera não é ato puro(sem potência alguma). Assim, por ser constituído de partes, o seres materiais jamais podem ser atos puros. Já que:

  • Nem sempre foram ato
  • Se tornam ato por uma de suas partes
  • Em algum momento parte é ato, parte é potência

Isso já é suficiente para demonstrar que esse ato puro é extramental ao universo e que sobretudo é imaterial. Sem sombra de dúvidas, podemos chamá-lo "Deus".

b) Quitado o primeiro motor, não há movido

O problema central de se considerar uma série infinita de movidos é que todos os movidos são considerados intermediários do movimento. Mas como podemos considerá-los intermediários do movimento pretendendo que eles antes de serem motores sejam movidos? Isso é equivalente a dizer que não há intermediários, que todos são movidos por si e que portanto não há série e que um movido não é motor do outro e nem movido por outro.
Mas como se demonstrou acima de três maneiras distintas, todo movido é movido por outro, o que nos obriga a criar a série de motores e movidos infinitos.

Em uma série , quitando-se o primeiro motor que move a todos os outros movidos, nada se move. Ora, isso é evidentemente falso, pois o que mais observamos no universo é a mudança. E pelo que ficou bem claro, a mudança é um produto da causalidade, isto é de uma causa que induz um efeito. Caso não houvesse um primeiro motor em uma série , não haveria movimento no mundo.

c) A causa instrumental exige causa final
Acima, definiu-se o que é uma causa final e causa instrumental. Causa final é o que move a ação, causa instrumental é a que serve como "intermédio" da ação. Por isso na série de motores e movidos, cada motor é causa instrumental e por conseguinte intermediária. Sem uma causa final, é impossível que haja o primeiro movimento, pois é necessário imprimir na sequência ordenada de causas uma finalidade a ser atingida. Somente assim é que a sequência ordenada de causas atinge o fim, produzir tal ou tal efeito.
Em outras palavras, a causa instrumental é o meio que a causa final utiliza para atingir o fim determinado. Por esse motivo, parece que para ser uma legítima causa final, há de se conhecer o efeito que se quer produzir e intencionalmente produzi-lo de alguma maneira. Se existe uma causa que não conhece o efeito que produz, que não tem a intenção de produzir o efeito, é sinal de que essa causa age por outra causa que lhe é superior, o que equivale a dizer que esta causa é instrumental de alguma causa final a saber.
Ora, a necessidade da causa final é real e pelo que se demonstrou. a causa legitimamente final tem que ser a primeira, por ter intencionalidade e finalidade.
Se há uma legítima causa final e por consequência causa primeira, ela tem de ser incausada. Na hipótese em que tal causa é causada por outra, deixa de ser final e primeira e não resolve o problema da série infinita, de forma que para que se resolva o problema da série infinita, faz-se necessária a existência de uma causa final incausada, isto é uma causa primeira.

5.2.3 - Conclusão    
A causa final e primeira resolve o problema da série ordenada infinita de motores e movidos, mas o que nos permite afirmar que tal causa primeira é Deus de fato?
Ora, admitir que exista uma causa primeira é admitir uma causa sem causa imóvel, pois se esta causa tivesse causa, não seria primeira, mas causa segunda. Uma causa sem causa é necessariamente imóvel e portanto onipotente. Sob certo aspecto, onipotência é a faculdade de mover qualquer coisa e de não ser movido por nenhuma coisa. Repetindo, caso um ser onipotente fosse movido por uma causa superior, há de se entender que tal causa superior é mais onipotente que ela. O que é um absurdo. De fato, nas Sagradas Escrituras, Deus declara a Moisés: "Eu sou Aquele que É." Isto quer dizer: Ser supremo, incausado , causa primeira e final de todas as coisas. Não muda e não é mudado por nada. Ainda que tal fato tenha sido revelado aos hebreus, Aristóteles, sem nenhum contato com a cultura hebraica, chegou a conclusão de que Deus existe indubitavelmente através do exercício árduo da razão e pesquisa paciente e altamente científica.

5.3- A segunda prova
A primeira prova pretende solucionar o problema da sequência infinita de motores e movidos. Já a segunda pretende solucionar a necessidade de existência de uma causalidade nas causas intermediárias. Como ficou definido anteriormente, toda sequência causal exige uma causa eficiente, que opera em função de um ato próprio. Por isso se faz clara a necessidade de uma causa que não só cria a mudança, mas uma causa mais formal que todas as coisas causas materiais, uma causa que comunica causalidade a todas as causas instrumentais secundárias. Essa causa finalíssima só pode ser um motor que não é movido, pois caso o fosse, não seria eficiente, mas sim instrumental, quer dizer, teria recebido sua causalidade de outro motor. Por isso parte da demonstração da existência dessa causa se fundamenta na ação de contradizer a tese de que todo motor se move. A outra parte consiste em afirmar a necessidade de um princípio eficiente extrínseco a sequência causal.

5.3.1 - Impossibilidade do movimento de todo motor
Como toda proposição, a proposição "todo motor se move" pode ser verdadeira ou falsa, conforme o atributo pertença ou não ao sujeito. E como toda veracidade ou falsidade, pode ser em acidente ou em si mesma.
Como nos define a lógica, existe dois modos de ser: ou em si mesmo ou por outro. Ao ato de existir em si mesmo damos o nome de substância. Ao ato de existir por outro , damos o nome de acidente. Assim a proposição pode existir verdadeira ou falsamente em acidente ou em si mesma. A questão que a metafísica evoca é que todo ser acidental pode ser ou não ser, pode existir ou não existir. À esse aspecto, dá-se o nome de contingência. O fato é que todo ser contingente precisa de  um outro ser para existir e no caso das proposições, é preciso que sua demonstração seja necessária para que sejam verdadeiras. Segundo Aristóteles, em sua obra Segundos Analíticos, o conhecimento demonstrativo precisa se apoiar em proposições verdadeiras e necessárias (Capítulo 6, 74b5). Assim é que se afirmamos que todos os felinos são mamíferos e que todos os gatos são felinos, não podemos concluir que todos os gatos são mamíferos se as proposições anteriores são contingentes (podem ser ou não ser). 

Nos comentários de Tomás de Aquino aos segundos analíticos, podemos sacar tal texto:
"Assuma a conclusão "Todo C é A" como necessária e demonstrada por uma proposição que não é necessária, mas contingente, de forma que uma ou ambas proposições "Todo B é A" e "Todo C é B" são contingentes. Agora fica óbvio que através desta proposição contingente não podemos tirar uma conclusão que não seja contingente." (adaptação e tradução nossa).
Acrescenta Aristóteles em seus "Tópicos" que nenhuma proposição contingente é absoluta. De forma que um homem sentado pode estar sentado relativa e provisoriamente. Em decorrência disso, podemos dizer que em um dado momento, ainda que relativamente, tal homem não está sentado. Isso será utilizado para demonstrar a falsidade da proposição "Todo motor se move".

A proposição "Todo motor se move" pode ser:  a)acidental (em acidente)  ou b) substancial (em si mesma)

a)Em acidente
Se é uma proposição acidental, sinal de que não é necessária, quer dizer, sinal de que nem sempre foi assim. De forma que obriga a contingência da proposição "Nenhum motor se move", já que podemos encarar a proposição acidental "Todo motor se move" como temporária. Evidentemente que é impossível que em algum momento não tenha havido movimento. Ora, como se notou, a proposição contingente "Todo motor se move" implicou em uma proposição impossível ("Nenhum motor se move"). Desta maneira é que descartamos que a proposição "Todo motor se move" seja verdadeira por acidente. Resta-nos considerá-la verdade por si.
O segundo argumento para demonstrar a falsidade dessa proposição no caso de sua acidentalidade consiste em um exemplo muito bem proposto por Aristóteles e muito bem aproveitado por Tomás de Aquino. Aqui variamos a aplicação do exemplo, mas mantemos sua forma.
Tanto vermelho e algodão são caracteres acidentais de uma camisa, o que quer dizer que não é necessário que as camisas sejam vermelhas ou sejam de algodão para serem camisas. Ora, é certo que há camisas de algodão que não são vermelhas e que há camisas vermelhas que não são de algodão, de forma que fica explícito que se duas características acidentais se reúnem em uma mesma substância, é necessário que apareçam separadas em outras substâncias. Assim se as características acidentais motor e móvel aparecem no mesmo ser, é sinal que há um ser que é somente móvel e um ser que é somente motor (Deus).
b) Em si mesma
Para que a proposição "Todo motor se move" seja verdadeira em si mesma é necessário que o tal motor se movimente no mesmo tipo de movimento à medida que move o movido. Quer dizer, no momento em que ensino matemática a um aluno devo aprender matemática. Se uma bola de bilhar sofre uma aceleração devido a tacada, é sinal que a tacada seja acelerada exatamente no momento que acelera a bola, isto é, o taco ganha movimento a medida que a bola ganha movimento, sendo tal movimento provido do taco. Evidentemente tais conclusões são absurdas. É necessário que eu aprenda matemática antes de ensinar ao aluno, é necessário que taco receba aceleração da mão antes de ser acelerar a bola e assim por diante. Assim fica claro que a proposição "Todo motor se move" é falsa substancialmente, o que nos remete a existência de um "professor" supremo que nada aprendeu, apenas sabe. Um motor que nunca é movido, apenas move. Esse motor comumente chamamos Deus.

5.3.2- A eficiência
Pelo que precede, nos é claro que a sequência causal é uma sequência que necessita de um motor primeiro. Mas esse motor não só comunica a existência às causas, como a primeira prova demonstrou, mas também comunica poder causal as causas. Por exemplo, tal primeiro motor não só cria a tinta vermelha, como também cria na tinta o poder de avermelhar as coisas. O motor cria o ser e a causalidade. A esse princípio chamamos eficiência. Acima, a causa eficiente ficou definida como "aquilo pelo qual uma coisa é". Se uma coisa é motor, só é motor por outra. Assim a causalidade é também ordenada, organizada por um ser, que logicamente precisa ser inteligente para que ordene e organize a causalidade conforme sua concepção. 
Contra isso, alguns alegam que o universo age através de causas cíclicas, como na figura abaixo.

Sem descartar essa hipótese, temos que averiguar que ainda que tais motores transfiram a causalidade, não são eles que criam a causalidade, o que equivale a dizer que agem segundo um agente eficiente que lhes comunica o poder causal. Esse fato exige a presença de um motor eficiente, como indicado na figura abaixo.

Essa ideia nos coloca diante de um poderoso esclarecimento, que há causas extrínsecas e intrínsecas e que sobretudo há causas unívocas e análogas. Seguiremos a definir essa distinção.
a) Causa Unívoca
A causa unívoca tende a produzir um efeito semelhante a si. Assim, todas as obras dos homens são obras humanas. 
b) Causa Análoga
A causa análoga tende a produzir um efeito não oposto, mas diverso de si. Assim é que torna-se possível a explicação de como Deus, um puro espírito de natureza infinita, pode criar um mundo material de natureza finita. A causa análoga pode também explicar como, por exemplo, tudo que existe é ser, mas é ser de forma diversa. O granito é ser, o mármore é ser, mas são seres diversamente. Isto é que Deus causou efeitos materiais que são distintos da sua natureza puramente espiritual.
c)Nada é causa de Si mesmo
A análise da eficiência nos remete à seguinte consideração: Nada pode causar a si mesmo, já que sob o aspecto da eficiência, algo ser causa de si mesmo implica em existir antes de si mesmo, o que é uma contradição obviamente.
d)Causa eficiente

5.4- A terceira prova
A ciência nos mostra algumas características dos seres do universo:
  • Começam a existir e depois param de existir
  • Dependem de um princípio que determina sua existência e organização
  • Há um princípio que determina a existência e organização dos seres
A essa efemeridade de tais seres damos o nome de contingência, isto é, há seres que podem ser ou não ser. Ora, algo que pode ser ou não ser depende sua existência de outro ser que o determina e o organiza., já que enquanto não é não pode passar a ser por si mesmo. Se um couro já fosse bola antes de ser bola, não seria couro. Mas é pela mão humana que o couro se transforma em bola.
Vejamos agora cada verificação separadamente.

5.4.1- A existência contingente
Que as coisas do universo mudam é inegável. A lua transita ao redor da Terra, a cor das folhas mudam conforme as estações os animais crescem, envelhecem e morrem. Em cada um desses casos percebemos que os seres mudam por princípios extrínsecos a eles. A lua gira por conta da gravidade, os animais envelhecem por tais e tais motivos e as folhas mudam por tais outros motivos. Cada fato ocorre por conta de um princípio extrínseco a ele, que vem de fora, que lhe é exterior. Mas o fato é que cada efeito parece possuir um princípio diferente e mesmos tais princípios parecem vir de outros princípios. Mesmo a gravidade possui um princípio, ela não é o último princípio. Além do mais, a gravidade é princípio para um fenômeno em específico, de forma que há certos fenômenos que não dependem dela. Isso deixa claro que cada ser pode depender sua existência de diversos princípios distintos e que mesmo cada princípio pode depender de outros princípios. Essa dependência dos seres e dos princípios dos seres, chamamos contingência.

5.4.2- A dependência do ser contingente
O que é contingente não pode ser em razão de si mesmo. É por esse motivo que existe a ciência, sempre querendo buscar a causa das coisas. Se as coisas tivessem razão de ser em si mesmas, bastaria conhecê-las para conhecer seus princípios, mas como as coisas tem razão de ser extrinsecamente a si, o homem se esforça para procurar tais razões extrínsecas.
Pela observação sensata, percebemos que o ser contingente não tem a razão de ser em si mesmo, está sempre dependendo sua razão de ser de uma outra coisa, e, que essa coisa, sendo contingente, também depende sua razão de ser de um princípio extrínseco. Então, há nos seres contingentes uma relação de dependência e isso é a própria contingência.

5.4.3- O ser por si mesmo
Como se demonstrou o ser que é por outro é chamado de ser contingente. Ora, todo ser contingente tem sua razão de existência em outro ser. Se este for um ser contingente, terá sua razão de ser em outro ser e assim indefinidamente a menos que um ser que é sua própria razão de ser cesse a sequência de causas. Em suma:
  • Há seres contingentes
  • Os seres contingentes dependem sua razão de ser de outro
Então
  • Há uma relação infinita de dependência entre os seres contingentes (um absurdo)
a menos que
  • Um ser não contingente exista.
Um ser não-contingente nada mais seria do que um ser que possuísse a razão de ser ele próprio, um ser que é por si mesmo, sem ter surgido e sem ser mudado, já que o surgimento e a mudança são os sinais característicos da contingência. Ora , um ser imutável (onipotente), que existe desde sempre (eterno), que é sua própria razão de ser e que possui toda a razão de ser (onisciente) é Deus.


5.5- A quarta prova
5.6- A quinta prova

6- Conclusão




Bibliografia:
[1]Jolivet, Regis – Metafísica pág 55
Regis Jolivet - Tratado de Filosofia (Volume 3)
Tomás de Aquino - Suma Contra os Gentios (Tomo I - capítulo XIII)
Tomás de Aquino - Suma Teológica ( Prima Pars- Q2 a Q13)
H.D. Gardeil - Iniciação à Filosofia de Tomás de Aquino
Enrique Collin - Manual de Filosofia Tomista (Tomo II)
Pedro Ceruti - A Caminho da Verdade Suprema (Tomo II)
Leonel Franca - A Psicologia da Fé e O problema de Deus
Aristóteles - Metafísica
Aristóteles - Física /Livro VI, Livro VIII
Aristóteles - Organon/ Segundos Analíticos (Capítulo 6 Comentado por Tomás de Aquino)
R. Garrigou Lagrange - Dios, su existencia (Solución Tomista de las Antinomias Agnósticas)
R. Garrigou Lagrande - Dios, su naturaleza (Solución Tomista de las Antinomias Agnósticas)
C. Lahr - Manual de Filosofia
Pe Alvaro Calderón - Umbrales de la Filosofia
http://josephkenny.joyeurs.com/CDtexts/PostAnalytica.htm#13
http://www.montfort.org.br/index.php/tag/provas/#3
http://www.cristianismo.org.br/efp2-18.htm
http://www.capuchinhosprsc.org.br/biblia/artigos/O%20Nome%20de%20Deus.pdf

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