terça-feira, 15 de junho de 2010

O que é realismo moderado?


A realidade pode ser definida de formas diferentes pelos diversos autores ao longo da história. Assim para uns não passa de ilusão (Descartes), para alguns é insensível (realismo exagerado) e para outros é sensível e indivisível (Aristóteles).
1- A realidade
O dicionário priberam da língua portuguesa na sua primeira definição afirma que realidade significa "que existe de fato". Essa definição é curta e exata, uma vez que quando queremos afirmar a existência de algo, costumamos afirmar sua realidade, como em "O problema da corrupção é um problema real". Daí aquelas correntes de arte surrealista, que pretendiam criar algo que não existe o real, que o ultrapassasse.
Por outro lado, afirma o mesmo dicionário que a palavra "real"vem do latim "res" que significa rei ou coisa. A importância dessa saliência se dá pelo fato de a filosofia tomista se referir ao objeto conhecido como coisa. Então a realidade não é só algo que existe de fato, é algo que existe e que pode ser conhecido. Esse princípio vai permear toda a obra de Tomás de Aquino, em que a coisa pode ser objetivamente conhecida na sua forma. A idéia, para Tomás, é uma espécie de forma da coisa conhecida e não uma representação da coisa, como pretendiam os fenomenistas.(1)

2- A idéia
Ao dizer "O olho recebe da coroa a cor do ouro", dizemos que a realidade é captada à medida em que a forma do objeto é como que "retirada", abstraída do objeto sem empobrecê-lo nas suas potencialidades, por isso, Tomás é enfático ao afirmar que o que se conhece é a própria realidade e não uma representação da realidade como pretendem os Platônicos. Se não fosse assim, não seria possível conhecer a realidade.
Suponhamos o caso de que a idéia fosse uma representação da realidade. Como se daria o processo em que conhecemos a idéia? só poderia ser através de uma representação da mesma idéia. E assim seria indefinida e infinitamente. Ora para resolver o problema da infinitude há que se dizer: Conhecemos a realidade em si mesma.

 

3- A essência
Não é possível definir termos que são muito extensos. ''Ser" é o termo mais extenso que existe , por abarcar todas as coisas que existem (que são). Todavia é possível admitir que cada ser em particular tenha algo que o defina como tal. Dessa maneira, homem é aquele que possui tais e tais características, árvore é aquele ser que possui tais outras características e assim de ser em ser até Deus (ser supremo).
Ora, se essas características permitem que definamos os seres, são elas imutáveis. de outra forma seria impossível utilizá-las para definir os seres. Assim, não seria possível definir os seres através das suas características mutáveis. (Como definir olho através de sua cor se existem infinitas cores para olho?Por isso olho é, antes de tudo, aquilo que vê, sua característica imutável) Essa pedra é grande, ora eu sou grande, logo sou uma pedra. O fato é que grandeza não é um atributo essencial de pedra, senão um atributo acidental. Existem homens com diversas profissões, mas o que permite-nos classificar como homens não são suas qualidades profissionais, meramente acidentais, mas sim suas qualidades essenciais.

4- Essência e idéia
Se abstraímos das coisas suas formas, e assim conhecemos suas essências, tem-se que conhecer pedra é o mesmo que ser pedra ou pôr em si mesmo a essência de pedra. Pois se o não-conhecer pedra fazia parte dos seus atributos iniciais, somente através da interiorização da essência de pedra é que se torna possível conhecer a mesma. Como seria possível conhecer a pedra se só tivéssemos dela mesma uma representação ou algo que não fosse a sua essência?
A essência pode então estar tanto na idéia, quanto no objeto que se conhece mediante a idéia(e nos objetos em geral).

5- O realismo moderado
Quando se diz que a essência do objeto permanece apenas no objeto ou, de forma mais genérica, permanece apenas no real, chamamos o indivíduo de realista exagerado.
Por outro lado, afirmar que a essência do objeto permanece apenas na inteligência ou na idéia, chamamos de idealismo (ou Platonismo ou nominalismo).
Já o realismo moderado afirma que a essência da coisa está tanto na idéia quanto na própria coisa, resultando em falsidade (= não estar conforme o real) toda idéia que não for conforme a coisa que se idealiza.

bibliografia:
Tomás de Aquino, Summa Teologicae - Prima Pars: Questões 15 e 85.

Um comentário:

  1. Fui seminarista da Igreja entre 2012 e 2017. Terminei o curso de Filosofia, pelo Seminário, em 2015, no caso. Havia decidido fazer meu TCC em Santo Tomás de Aquino, mais especificamente, em epistemologia tomista, mas não sabia por onde começar nem como estruturar o texto da monografia. Foi quando, na época, achei este artigo aqui neste blog e ele me deu praticamente toda a estrutura, inspiração e intenção temática do meu TCC. Deveria há anos já ter escrito aqui um agradecimento, mas o faço agora. Muito obrigado. Ao longo destes anos e até hoje, visito este texto, neste blog, para matar a saudade (rsrs) e também me sentir num ambiente tomista. Mas ainda assim, após algum amadurecimento do meu conhecimento tomista e filosófico em geral, faço hoje apenas um pequeno comentário a respeito do texto acima. Pelo que estudei acerca da famosa "querela dos universais", na verdade haviam quatro posiçōes acadêmicas acerca dos universais: o realismo exagerado, o realismo moderado, o conceitualismo e o nominalismo. Ora é o CONCEITUALISMO que diz que os universais estão apenas "na mente do sujeito" e não o "nominalismo". Pois na verdade o nominalismo afirmava que os universais não existiriam nem mesmo na mente do sujeito, mas, na mente, haveria apenas certas ideias que seriam as ferramentas para um mero "flatus voces", ou seja, certos "nomes", ou simples emissōes fonéticas que o sujeito atribui às coisas ou seres do mundo, pela oralidade e pelo fato da experiência dos sentidos encontrarem certas semelhanças entre os objetos da experiência. Ou seja, para o nominalismo, só conhecemos coisas individuais e particulares a modo de experiências sensíveis impressas na memória, e, toda ideia "universal" que temos na mente, na verdade são "símbolos linguisticos" que unem as experiências sensíveis. Assim, podemos deniminar vários objetos como sendo da "cor vermelha", mas, jamais entenderemos, para o nominalismo, o que seja a "vermelhidão em si" ou o "conceito" de vermelho. Já para o Conceitualismo, as ideias ou conceitos universais das coisas e seres podem ser entendidos em si, pela mente, perfeitamente e tais conceitos na mente não são meras "experiências", mas conceitos mesmos e plenamente entendidos pelo sujeito do conhecimento. Mas, para o Conceitualismo, tais conceitos só existem na mente do sujeito e em lugar algum mais. Assim, o nominalismo deu origem às filosofias empiristas, as quais enfatizam a experiência, sendo que num empirismo extremo ou radical, as próprias coisas ou seres do mundo são "experiências" (mesmo sem o sujeito), como pensava George Berkley. Já o conceitualismo enfatiza o papel da razão e da mente, gerando as epistemologias idealistas, sendo um idealismo extremo considerar o próprio mundo como "mente" ou "espírito"; algo mental ou ideal, como pensava Georg. W. Hegel. Bo meu caso, sou e sempre serei realismo moderado.

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