quarta-feira, 21 de julho de 2010

Da razão e raciocínio




O Raciocínio


Introdução

O raciocínio humano é sempre um pressuposto filosófico, uma vez que o ato de conhecer através do raciocínio, próprio do homem, vai delimitar as possibilidades que cada sistema filosófico pode alcançar.
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1- A lógica e o raciocínio

A lógica nada mais é do que o estudo de como racionar corretamente. Isto é, uma vez que a inteligência possui mecanismos para encontrar a verdade, esses mecanismos podem ser encontrados e explicitados para que se obtenha um sistema capaz de assegurar como encontrar a verdade. Por isso mesmo é costume dizer "Isto não tem lógica!", uma forma de agredir o oponente numa discussão quando este não utilizou de um processo conclusivo autêntico. Contudo, apenas afirmar falta de lógica é um tanto vago, já que são muitos os processos legítimos de raciocínio.
O fato primordial consiste em que a inteligência pode ser encarada como objeto de conhecimento por ela própria e assim as leis gerais regentes do raciocínio são enunciadas.

A) Analogia
A analogia é um processo racional que consiste em estabelecer uma relação entre duas realidades (ou conceitos) essencialmente diversos. Desta forma, carro e estrada estão associados, apesar de serem essencialmente diferentes. Na teoria da evolução, por exemplo, há o conceito de órgãos análogos. Órgãos análogos são órgãos diferentes, mas com funções idênticas.
figura 1 - Analogia entre asa de inseto e de pássaro.

Essa definição de "Analogia" é completamente errônea. Primeiramente porque Analogia versa sobre dois seres essencialmente distintos, sendo que ambos mantenham uma relação. Não há relação entre asa de inseto e asa de pássaro. Há muito mais do que uma relação, há uma finalidade comum, de forma que o termo analogia não cairia bem. Em segunda instância, há o conceito de univocidade. Um conceito é unívoco quando aplicado de forma idêntica a dois seres distintos. Assim sendo, "asa" é um conceito unívoco e tampouco análogo. Finalmente, só pode haver analogia entre Asa , braço, pato e nadadeira.

-> Analogia de atribuição: Quando um ser empresta um conceito de outro ser a que esse conceito cabe perfeitamente. Isso ocorre de forma relacional. Podemos dizer "são" tanto de um homem quanto de um alimento, todavia alimento são é aquele que produz saúde e não aquele que possui a saúde propriamente. Nesse contexto o termo "São" foi emprestado por não lhe caber perfeitamente, mas relacionalmente. Homem são, comida sã etc.

-> Analogia de proporcionalidade: É a analogia que existe entre seres devido a semelhança de suas relações. Assim, o patins está para o patinador como o skate está para o skatista, já que a relação entre patins e patinador é semelhante à relação entre skate e skatista.

B) Indução

A indução é o processo de enumerar leis gerais através da observação constante de um fenômeno. Por ex.: este gato mia, aquele outro também, esse aqui também ... esse gato também.
Não é necessário averiguar o miado de todos os gatos existentes para saber que os gatos miam, de forma que basta a observação de uma quantidade de gatos miantes para declarar: "Os gatos miam". Isso é tão verdade, que imediatamente ao ver um gato espero dele um miado como som e isso se confirma. É um processo muito utilizado em direito e em ciências naturais. Outro exemplo: "As plantas produzem celulose" Ninguém nunca observou todas as plantas. Como é possível saber que todas produzem celulose? Através da indução. um método perfeitamente legítimo da inteligência.

C) Silogismo Categórico
O silogismo categórico é um processo aonde de uma ligação entre dois termos e um terceiro, depreende-se uma ligação entre os dois termos. Ex.: Todo bolo é feito com trigo. Este alimento é um bolo. Logo esse alimento é feito com trigo.

-> Todo bolo é feito com trigo. (Ligação entre bolo e trigo)
-> Este alimento é um bolo. (ligação entre bolo e alimento)
-> Logo este alimento é feito com trigo. (ligação entre alimento e trigo, procedida através do termo bolo)

De certo, existem sempre três termos no silogismo, a saber:
a- O termo maior;
b- O termo menor;
c- O termo médio.

Aonde o termo médio liga o termo maior ao menor através de uma cópula verbal.
-> O carro anda. Isto é um carro. Logo anda.

Há sobretudo, no silogismo um relacionamento de ações, sendo que um ser que executa algo impele a outro ser da mesma natureza a execução desse mesmo algo.

D)Substituição de termos
Na matemática é possível substituir um termo1 quando este é equivalente a outro.

A + B = C

C - D = A + B - D

Na verdade o princípio superior que rege a substituição de termos é o Princípio da Identidade. Tal princípio enuncia que "o que é é", isso significa que um ente não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sobre o mesmo aspecto. Como a idéia do número é uma idéia muito simples e concisa (o número é só a quantidade abstraída do corpo material), decorre-se facilmente que se um número é igual a outro, tão somente esses números virão a representar a mesma quantidade. Em outras palavras: 1 = 1.

[1] - Termo: expressão verbal da idéia. No caso da matemática, uma idéia quantitativa.


E)Ligação de termos
Na física e outras ciências naturais, é possível notar a dependência indireta entre umas causas e outras causas. Assim é que se explicamos as leis moleculares pelas leis atômicas e as leis atômicas pelas leis de partículas, decorre-se que as leis de partículas explicam as leis moleculares. Esse determinismo é fato que nenhum físico-químico pode questionar. Ele baseia-se nessa premissa para entrar no laboratório e fazer as pesquisas que atentam suas dúvidas. Talvez por isso mesmo, os físicos modernos estejam empenhados em encontrar de uma vez a lei geral que regeria todas as outras leis." Uma só equação, todas as respostas."1

[1]- Brian O'Greene - O Universo Elegante

2- Justificação pelo raciocínio
A admissão das teses de que a inteligência é a capacidade de conhecer a verdade e de que a verdade é a adequação da idéia à coisa propriamente, implica diretamente no fato de que a inteligência pode conhecer a si mesma quando coloca a adequação sob seu juízo. Assim, imediatamente que uma idéia se apresenta à inteligência, ela se apresenta na forma de um objeto inteligível. Da mesma forma se apresentarão o relacionamento da idéia com o ser e o ser propriamente. Conhecendo o ser, a idéia e o relacionamento, a inteligência pode julgar a equivalência entre eles. No caso em que ela nega a relação, o faz por admitir que a coisa conhecida não está de acordo com a idéia concebida, ou seja: declara a falsidade.
Mas se declara a falsidade, o faz por admitir princípios primeiros, superiores aos próprios princípios lógicos (que não passam de diretores do raciocínio), sendo eles o Princípio de Identidade e o Princípio de Razão, que são princípios imediatamente conhecidos pela inteligência desde que se depara com o ser.



a)A conclusão
Como se observa em lógica, devemos partir de premissas para chegar a conclusões. Admitindo que o raciocínio esteja correto, há de observar que as premissas podem ser verdadeiras ou falsas. Com o raciocínio perfeito a partir de uma premissa verdadeira chegaremos indubitavelmente a uma conclusão verdadeira. Com o raciocínio perfeito a partir de uma conclusão falsa, chegaremos indubitavelmente a uma conclusão falsa. Assim é que podemos utilizar este segundo tipo de raciocínio no que chamamos de demonstração por absurdo, que consiste em demonstrar a falsidade de uma premissa através da sua consequência absurda.
De qualquer maneira, em ambos os casos, o raciocínio pretende chegar a verdade. Não existe raciocínio por racionar. Todo raciocínio visa obter a verdade. Por isso é que quando um raciocínio não obtém a verdade chamamos de mau-raciocínio ou, em lógica, de sofismas ou falácias.  De forma que mesmo que obtenha-se uma conclusão perfeita a partir de uma premissa que não se sabe ser verdadeira ou falsa, tem-se a impressão de raciocínio inacabado. Falta provar a veracidade da premissa.

b)O resultado
Como dito acima, todo raciocínio busca a verdade. Contudo o homem não é só razão. É também paixão e por vezes suas paixões forçam conclusões, aparentemente como raciocínio. Psicologicamente falando, é o que se diz "lógica dos sentimentos" , patologias que ferem o uso da razão normal.
Eticamente falando, não deveríamos deixar que as paixões conduzissem a ordem dos raciocínios. Logicamente falando, não deveríamos cometer sofismas.  Contudo, um doente mental (porque não dizer um doente intelectual?) pode ferir a ordem do raciocínio, quer seja moralmente, eticamente ou logicamente.
É atualmente muito em voga o livro "Deus, um delírio" de Richard Dawkins. Para quem teve a oportunidade de ler a obra, percebe claramente que estamos diante uma lógica passional aonde a argumentação não visa a conclusões, mas sim a resultados conforme o desejo subjetivo do autor. Com efeito, a sagrada escritura afirma: "Diz o tolo em seu coração: Não há Deus.". Poderíamos refazer as palavras da escritura dizendo: "Tira o tolo conclusões falsas."
Ademais, o que neste caso se chama de raciocínio não constitui senão pseudos-raciocínios.

A Razão
1-  Introdução
Se o raciocínio é processo utilizado para se chegar a verdade através de conclusões, o que é a razão? Certo que a razão não é o raciocínio. A medida que o raciocínio se processa, tentando tirar conclusões a partir de premissas, segue certas diretrizes, certas regras que assegurarão a correta conclusão. Essas diretrizes são leis gerais às quais damos o nome de razão. Há uma ciência que investiga quais são essas leis gerais e chamamos essa ciência de ciência da razão, ou derivando do grego: Lógica (logos). 
As leis da razão são leis generalíssimas que legitimam o raciocínio a investigar os seres na realidade. São duas: o princípio de identidade e o princípio de razão de ser.

2- Princípio de Identidade
A criança sabe desde nova, que quando quer discutir com outra deve negar as afirmações da outra. Ainda que não faça sob circunstância autenticamente lógicas, faz por circunstâncias racionais.
_Este cão é melhor.
_Não, não é.

E assim, em forma simples, processa uma discussão entre dois menininhos. A criança e principalmente o cientista sabe que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo.
O gato não pode ser gato e não ser ao mesmo tempo. O monte não pode ser monte e não ser monte ao mesmo tempo. E essa verificação nos demonstra a lei suprema do ser: cada ser é o que é , ou ainda: uma coisa não pode ser e não ser sob o mesmo aspecto e no mesmo instante.
As consequências do princípio de identidade são duas, a de que não há um meio termo entre ser e não-ser e a de que se x = 3 e y =x, então y=x.

3- Princípio de razão de ser
Poderíamos definir o princípio de razão de ser como os motivos pelos quais as coisas são. Assim, uma pedra é pedra por tal e tal motivo, um homem é homem por tal e tal motivo etc. O princípio de razão de ser é um princípio geral que pode ser dividido em três princípios distintos:
  • Inteligibilidade
  • Finalidade
  • Causalidade
  • Substância
A inteligibilidade é a razão de um ser de frente para a inteligência. Isto é, a inteligibilidade é a razão pela qual o ser existe. Assim, o rio existe por tais e tais motivos e tais motivos consistem na inteligibilidade do rio.
Já a finalidade é o "para que" serve tal coisa. Assim, o pulmão serve para respirar, o pé para andar, o sol para iluminar etc. A ciência busca, antes de tudo, conhecer também a finalidade dos seres, isto é, para que servem os seres.
Por outro lado, a causalidade é o princípio "de que" vem tal coisa. Assim, a maré vem da gravidade lunar, a gravidade vem da massa de um objeto e assim por diante. É também objeto da ciência procurar o que causa o que.
Finalmente a substância é um princípio que verificamos imediatamente ao nos depararmos com os seres. Quando falamos em tela sendo pintada, estamos falando em uma substância que está sendo afetada pelo pintor, quando falamos em queimada florestal, estamos falando em um substância que está sendo afetada pelo fogo etc.
Esses princípios formam o que chamamos de primeiros princípios e são princípios evidentes conhecidos pura e simplesmente no ato de apreensão do ser. Não são fruto de conclusões, tampouco meras hipóteses. São princípios reais e evidentes.
4- A abstração
O seres possuem características que estão cada qual relacionada com princípios distintos. Essas características podem ser separadas uma das outras conforme suas relações.
Assim, um animal pode ser considerado um corpo meramente física para estudo da física. Tal como uma bola ou uma pedra. Ignorar a vida do animal para verificar sua natureza física é uma abstração.
A matemática abstrai dos seres materiais a quantidade da qualidade. Não importa para a matemática se um triângulo é azul ou verde, mas sim suas relações quantitativas que em nenhum aspecto dependem das suas relações qualitativas.
Quanto mais abstrata é uma ciência a mais seres se aplica. A biologia só se aplica a uma parte dos seres materiais: os seres vivos. Já a física se aplica a todos os seres materiais. A matemática é ainda mais abstrata que a física por se referir aos seres apenas na sua quantidade. Contudo é mister saber que a quantidade só é pertinente aos seres materiais. Para uma ciência universal que engloba todos os seres é necessária uma abstração máxima que separa todas as características acidentais dos seres para lidar somente com as características essenciais. E essa ciência abstratíssima é a metafísica.

Conclusão

Vimos o que é a razão, diferenciamo-la do raciocínio e verificamos quais as suas condições psicológicas. A exposição acima demonstra que atualmente poucos entendem o que é a razão, embora muito pretensamente afirmam utilizá-la. Demonstra também os princípios que se devem apoiar os cientistas e permite que entendam como funciona o processo de investigar o real.



Bibliografia
Regis Jolivet - Psicologia ( pág 516 a 532)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Da "Falsa Humildade"

Introdução
Por vezes quando ouvimos um jogador de futebol falar a respeito do jogo, percebemos que eles se consideram menores do que realmente são quando diante das câmeras.
As frases dos mais variados tipos, tendem sempre a exaltar a equipe adversária em detrimento da própria equipe. Se por um lado, é verdade que seria muita jactância elevar-se, por outro percebemos como ridículo a tentativa de parecer menor do que é, ou parecer melhor do que acredita ser.

1- A jactância
A jactância consiste no ato de dizer bem de si mesmo para ostentar seu poder ou parecer maior do que é.
Segundo Tomás de Aquino, a jactância pode não se opor a verdade diretamente, quando, por exemplo, esnobamos nossas posses. "Tenho uma Ferrari. Você não sabia?" Tal frase pode não ser mentira, contudo, pretende que o fato de possuir uma ferrari tenha mais valor do que realmente tem. Uma supervalorização. Dessa maneira, Tomás de Aquino categoriza a Jactância de duas maneiras:
a)Segundo a espécie do ato - Há vezes em que a jactância se opõe diretamente à verdade, quando se diz de si algo maior do que se é.
b)Segundo sua causa - Na maioria das vezes, a jactância (bem como outros pecados) provém da soberba.

2- A Ironia
A palavra ironia provém do latim ironia e do grego ironeia e significa dissimulação, ignorância. Na verdade, em português empregamos a palavra quando queremos falar algo ao contrário do que realmente é, indicando certo sarcasmo. Porém nesse contexto iremos utilizar a definição mais condizente com a Suma que seria dizer-se menos do que é.
A- Se a falsidade é um pecado, decorre-se que a "ironia" seria um pecado. A ironia diminuiria a realidade ou seu significado ao passo que a jactância aumentaria a realidade ou seu significado.
B- Todavia, se é um pecado o orgulho, a jactância, a vaidade , soberba etc, a ironia pode ser encarada como o ato de evitar tais pecados.
Ora, se não se pode utilizar um pecado para evitar o outro, como que dissimular a respeito da própria realidade pessoal seria conveniente? Tomás acrescenta que , além disso, como a bondade da alma inclina-se à perfeição, é natural que se incline também à justiça, de maneira que não seria possível separar a justiça da perfeição. (Não é possível uma perfeição sem justiça)